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Pandemia destaca papel de agentes comunitários de saúde na Amazônia

Por Rodrigo Sousa em 04/10/2021 às 11:45:24
© FAS/Divulgação

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Waldemir da Silva, 62 anos, é o agente indígena de saúde na comunidade Três Unidos, do povo Kambeba. - FAS/Divulgação

"É uma escolha profissional bonita. A gente visita, dá orientações, faz palestras para crianças, para mulheres, para homens. E temos que fazer uma busca ativa", conta Waldemir da Silva. Aos 62 anos, ele é o agente indígena de saúde na comunidade Três Unidos, do povo Kambeba, localizada na zona rural de Manaus.

Com experiência de quatro décadas na profissão, ele conta que a pandemia tem sido o momento em que sentiu a maior responsabilidade. "Me deixou muito preocupado, principalmente com idosos e adultos da comunidade que são diabéticos, hipertensos, anêmicos. Aumentamos as visitas. Às vezes, a gente visitava até dez vezes por dia, porque teve paciente que ficou muito ruim. Tivemos uns 40 casos", relatou à Agência Brasil.

Em meio à pandemia, outras enfermidades e incidentes também não dão trégua. "Não é que não tem água potável na comunidade, porque tem. Mas, às vezes, as crianças ou os adultos tomam banho no rio e podem engolir alguma água. Então há casos de diarreias, náuseas. A temperatura também faz isso, porque tem dia aqui que é muito quente. E tem a malária. Não tem dado tantos casos, mas todo caso que aparece é preocupante, porque dá febre alta, causa enfraquecimento, vômito, diarreia", diz Waldemir. Ele também traz na ponta da língua o número de pessoas que já ajudou após picadas de cobra. "Foram 33 casos, de vários tipos como jararaca e surucucu-pico-de-jaca", disse.

Embora o agente indígena de saúde seja listado na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), não se trata ainda de uma profissão regulamentada. Sua atuação é reconhecida no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, criado em 1999 atrelado ao Sistema Único de Saúde. No entanto, há poucos parâmetros para o processo de contratação, embora geralmente seja preservado o direito de indicação da própria comunidade. "Fiz um processo seletivo de acordo com a realidade dos povos indígenas", conta Waldemir.

Para regulamentar a profissão, está em tramitação o Projeto de Lei 3.514/2019, da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR). A proposta busca conceder aos agentes indígenas de saúde prerrogativas profissionais que já têm os agentes comunitários de saúde. Também reitera algumas especificidades, entre elas a necessidade de domínio da língua, dos costumes e dos conhecimentos tradicionais de cada etnia. O projeto garante a participação da comunidade indígena nos processos de seleção. Em junho, ele foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Minorias e agora aguarda apreciação na Comissão de Seguridade Social e Família.

Dificuldades

Com a apoio do setor privado e convênios com o Poder Público, a FAS atua em quatro frentes para superar as dificuldades do trabalho na Amazônia: realização de pesquisas como o diagnóstico do SUS na floresta, que atualmente está em andamento, a organização de cursos de qualificação, o financiamento de ambulanchas e a estruturação do sistema de telessaúde. Segundo Luiz Castro, coordenador do Programa Saúde na Floresta, desenvolvido pela organização, uma demanda mais imediata é a necessidade de mais cursos de primeiros socorros, que não são hoje considerados obrigatórios.

"Eles têm que estar preparados para aquela emergência. E não está definido no seu rol de atribuições os primeiros socorros. Mas quem está vivendo numa comunidade, a oito horas ou mais de barco da sede do município, precisa de pessoas preparadas para atender. E isso precisa ser reconhecido", diz ele no documentário produzido pela FAS. Segundo Luiz Castro, os agentes sabem que as comunidades dependem deles, já que a maioria não conta com um técnico de enfermagem e muito menos com um profissional de saúde de nível superior morando no local.

De acordo com Waldemir, a relação próxima com os moradores amplia a responsabilidade. "O agente de saúde é geralmente uma pessoa comunicativa. Está sempre informando, palestrando. E vai fazendo amizade. Conversa com as pessoas mais velhas, com as crianças. É a primeira pessoa a ser informada de qualquer problema. Quando exige um entendimento mais aprofundado, eu chamo o técnico de enfermagem. Mas o agente de saúde é quem passa a confiança do sistema de saúde. É um contato de rotina que gera respeito, dignidade", observa.

Apesar da importância desse trabalho, entidades que representam a categoria cobram maior valorização. Na audiência pública realizada em maio, a Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias (Conacs) mostrou a falta de qualificação específica para o combate à covid-19. Ainda segundo a entidade, em muitos locais foi necessário provocar o Ministério Público para que agentes comunitários de saúde fossem vacinados, porque não eram considerados profissionais na linha de frente do combate à pandemia, como os médicos e enfermeiros.

Uma das principais cobranças durante a audiência pública foi a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 14/2021, de autoria do deputado Dr. Leonardo (Solidariedade-MT). Ela estabelece proteção social e valorização dos agentes comunitários, além de garantir aposentadoria especial e exclusiva e fixar a responsabilidade do gestor local do SUS pela regularidade do vínculo empregatício. Para a Comissão da Federalização dos Agentes Comunitários de Saúde, a forma como as contratações ocorrem atualmente gera vulnerabilidade, fomenta o assédio e permite que agentes comunitários de saúde sejam transformados em marqueteiros políticos.


Krisiane Brito do Nascimento, de 19 anos, é agente comunitária de saúde - FAS/Divulgação

A falta de regularidade do vínculo empregatício gera instabilidade. O contrato de Krisiane se encerrou em fevereiro deste ano. Desde então, ela aguarda uma nova possibilidade de contratação pela prefeitura de Iranduba. "A gente sente falta do trabalho. Mas depende dos governantes", diz. Melhorias estruturais e disponibilidade de insumos também são reivindicadas para permitir melhor atuação não apenas de agentes comunitários de saúde, mas de todos os demais integrantes das equipes multiprofissionais. Embora Waldemir avalie que a situação já é bem melhor do que há 20 anos, ele cita algumas limitações. "Picada de aranha e escorpião, a gente consegue resolver por aqui mesmo, mas cobra não. Não tem soro antiofídico para esses casos. Aí é só em Manaus. Temos uma lancha. Dá 1 hora e 20 minutos até lá".

Fonte: Agência Brasil

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